terça-feira, março 15, 2005

Era uma vez na Sicília

Uma vez conheci um anão indeciso e cheio de dúvidas metafísicas. Foi em 1477, viva então em Londres onde hoje fica a Trafalgar Square. Nessa época, era uma zona mal afamada. De noite por ali paravam putas e ladrões, charlatães e fácinoras de toda a espécie, feitio e tamanho.
Era um anão soturno como o são quase todos. Entre um caneca de cerveja morna e um par de arrotos, o pequeno ser costuma dizer alto e em bom para que toda a gente ouvisse que os anões são trágicos e os duendes mágicos.
A tragédia dos anões começa exactamente pelo seu aspecto físico. São todos horrívelmente feios. Nunca ninguém viu um anão bonito. Pelo menos nesse tempo assim era. Normalmente são vesgos e desdentados, com unhas sujas que recordam a sua origem. As profundezas da terra. O interior das montanhas, as suas grutas e cavernas são a maternidade destes pequenos monstros. E era este seu aspecto monstruoso que fazia com que toda a gente os achasse demoníacos.
Na taberna que frequentava, o "The Evil Giant", frequentemente os bêbados mais corajosos e corpulentos obrigavam o pobre anão a dançar e cantar qual bobo da corte, a troco dumas cervejas quando estavam mais bem dispotos ou, então, à força de tabefes, pois um anão sempre apanha e cala sem reclamar...
Mas este anão era especial. Não era tão feio quanto a maioria dos seus companheiros. Tinha uma pequena barbicha e num dia de alguma neblina inglesa - o que até sucedia com frequência - passava bem por uma pessoa mais pequena, daquelas que não crescem muito não deixando, todavia, de ser gente.
Além do mais, era um anão dado às palavras. Fora bobo da corte numa ilha do Mediterrâneo, falava fluentemente várias línguas, incluindo Latim e até tocava rabeca.
Nesses tempo, monarca, príncipe, duque, conde, barão ou senhor feudal que se prezasse tinha sempre um anão no seu castelo pra ser a voz da verdade.
Só os anões podiam dizer quase tudo o que lhes apetecesse sem serem degolados ou, na pior das hipóteses, acabarem pendurados nas masmorras...
Mas este anão por ser quase humano julgava que podia ser mesmo homem. E foi essa a sua perdição, ao que me contou, uma noite, a chorar depois de mais uma sessão de cervejas e palhaçadas...
Corria o ano de 1475, no Reino da Sicília quando numa noite de grande folguedo e deboche na corte do Duque de CORNOLEÃO o anão se apaixonou perdidamente por uma jovem senhora. Belíssima ela. Branca e loura, qual soneto de Petrarca e até se chamava Laura. Seios redondamente opulentos e caracóis louros e luminosos a cairem-lhe pelas costas abaixo.
No seu vestido vermelho e decote generoso, Laura irradiava magia e mil e uma noites de perdição. E quando o anão lhe passou pela frente a fazer truques e malabarismo vários, riu tanto que os seus cabelos cegaram de paixão o nosso bom e pobre artista.
Durante o resto da noite, o anão não deixou de a olhar e desejá-la. E para seu espanto, Laura até lhe retribuía com sorrisos e lábios em forma de carnudos morangos.
Toda a gente já dormia, de cansaço e da bebida. Em cima das mesas, entre restos de comida e taças derramadas ou no chão da sala de baquentes junto à enorme lareia os corpos amontoavam-se e o ressonar invadia o silêncio das muralhas.
Quase se engasgava ao sentir outra vez os longos caracóis diante de si. Acordou sobressaltado o anão e deixou-se guiar pela mão que o levava. Pararam ao pé duma porta. A enorme cama assustou o nosso anti-herói. Para subir nem de escada. Foi preciso as mãos delicadas de Laura o puxarem para cima e pô-lo deitado ao seu lado.
As mãos de Laura voltaram a tocá-lo. Desta vez não pra o acariciar mas sim pra o despir. E lá ficou envergonhado e pouco abonado - era igual ao duma criança bebé - a olhar aquele voluptuoso corpo cujas pernas abertas o chamavam.
Por mais caricias e beijos que lhe dessem, o tamanho não passava do que estava destinado a ser. Praticamente inexistente. Nem cógecas fazia e Laura ardia de desejo.
A solução encontrada foi enfiar a cabeça do anão entre as pernas e quase o matar de tanto esfregar. O pobre do anão quase que morria sufocado por tanta loucura. Ela suspirava e gritava; o anão murmurava qualquer coisa que não se percebia e aquilo continuou por longos minutos, as pernas cada vez mais tensas a apertar-lhe a cabeça, as mãos a empurrarem a boca mais para baixo. Finalmente, veio a calma e a apatia. Laura empurrou-o para fora da cama e ordenou-lhe que fosse e que nunca mais a olhasse.
E foi na madrugada seguinte, que o anão deixou o castelo, ciente de que nunca poderia ser gente.
Dança agora anão e canta pra gente. Dança agora e canta, que te pago uma cerveja...
EMANUEL BENTO
NB: Que querem?! A esta hora não dá pra mais...