quinta-feira, abril 28, 2005

UM FANTASMA NA AREIA

O rosto fechado
a alma aberta
e assm viajo

O que procura não dorme, há um marinheiro naufragado a contar ondas e o que o mar traz à praia. Uma flor molhada e morta, à deriva na areia, o sal preso às mãos, sabem bem as pétalas salgadas. A sombra negra dos remos corta a lua. Uma canoa vazia de gente. Os espíritos dançam no vento. São viajantes. As noites dão-lhes um secreto sentido. Fazem lápides no pensamento. Cantam. A velha canção de piratas. Eu sou aquele que os vê e dirijo. A mim. Que venham até esta estátua de maresia. A pele branca e imortal. Braços abertos a apontar, um o caminho por onde o sol se foi, outro o dia que há-de vir.

Quem aqui chegar e ver entre pégadas e pássaros parados, uma sombra altiva a guiar as estrelas, há-de perceber que nada a pode salvar. Não há bondade no envelhecimento do tempo. A noite é negra e o silêncio iluminado, crescem chagas na areia. Os caranguejos dormem ao contrário. Escondem-se do sol. Saem em romaria, atarefados, tropeçam uns nos outros, procuram prodígios de Deus abandonados pelas águas em constante marulhar.

És estátua cheia de febre. E aqui o destino te prendeu, imóvel companheiro de bichos. És a tua própria lápide, já estás morto e sabes. Diz-to a maré e o teu pânico de pedra. Tudo o que (não)vês acontece fora de ti; tudo o que (não) ouves fala de ti. Um anjo de sexo e osso, em pedestal amarelo. A resistir aos avanços da geologia e mesmo que mintas, que negues a evidência das horas, hás-de teres um último dia, o fim da areia será o da tua vida.
EMANUEL BENTO