A música na cabeça
"As mulheres são piores do que as víboras. Estas ao menos mostram os dentes e o veneno. As mulheres não, escondem sempre alguma coisa, têm sempre um trunfo na manga. Olha que sei o que digo. Tenho mulheres em casa e a minha mãe fala comigosobre estas coisas. Ela diz-me - e ela é mulher! - filho, nunca mergulhes de cabeça, põe sempre um pé atrás"!
(Há canções que nos perseguem. E nunca nos livramos delas. Agora ouço uma. Canta-a a capital do Tibete. Lhasa. Uma peruana que nem pertence ao SENDERO LUMINOSO. "MY NAME". Tenho-a ouvido loucamente. Já a sei de cor. A letra. Que é só letra. Os sons são chuva. O que piora tudo. Ninguém se esquece do som da chuva. Todos sonhamos com amor em dias de chuvas e quem o negar está a mentir. O Amor é líquido. Umas gotas de água no cabelo, uns lábios levemente molhados, as mãos alagadas na secura do corpo. E estamos perdidos de sonho. De amor).
(Já tive outras canções. É verdade. Com o tempo aprendemos a dominá-las. Cicatrizamos. A carne recupera, a alma procura a salvação em outros ritmos. Mas uma outra palavra viaja sempre com ela. Perdição.
Num tempo e nem era por amor. Era só mesmo dor. Dor elevada ao seu máximo. Dor que saia de mim e que voltava ainda mais forte do que havia saído. Num tempo ouvia Pinkk Floyd; Scorpions, Led Zeppelin e Madredeus.
Era um tempo de sombras e de terríveis prenúncios. Um tempo de incertezas. De espera. Um tempo que trazia a morte num número. Um tempo de clausura. Indefinida. Poderia ressuscitar ou não. E a música e as palavras faziam chorar. Ninguém via as lágrimas. Nunca as deixo que as vejam. Guardo-as nos óculos escuros. A roupa também era escura. As pessoas não falavam. E eu sonhava. Que nem elas nem eu existia. Sonhava ao som das músicas que ouvia. Debaixo da terra. Entre jornais que se abrem e se esquecem; entre olhares que não se olham, entre palavras que morrem na boca. Eu sonhava e a minha cabeça dançava)...
Não sei se ele existe. Sei que vive nesta rua onde me escondo. Fiz-lhe uma casa e uma família. Dei-lhe um pai e uma mãe. Irmãos e irmãs. Mas não lhes criei o direito á felicidade. Só deixei desgraças naquela casa. Um irmão paraplégico. Uma irmã enganada por uma sobrinha a viver debaixo do mesmo tecto. Outra sobrinha. Desaparecida. Longe da família. Dei-lhes nomes a todos. Até aos cães. E são tantos, pra que ladrem noite fora a importunar o silêncio. Uma avó. Uma igreja protestante ao lado. Desejos proibidos com Deus a assistir. Pássaros presos. Olhos a voar. Carne e ossos a sofrer. Árvores exóticas a alegrar alguns dias. Uma colecção de revistas pornográficas. Tânias. Ginas. Cláudias. Um homem sem saber o que é uma mulher anos a fio. Tudo isto e mais fiz àquela casa. Uma casa a poucos metros da minha. Todos incrivelmente disfuncionais. Ao pé deles os SIMPSONS são anjos na Terra. E talvez por tudo isto tenha sabido tão bem ter ouvido esta frase: Emanuel, uma mulher assim é o euromilhões do euromilhões...
Fomos tomar um café. Até fiquei espantado que atendesse. Raramente o vejo. Passo meses sem saber dele. E contudo a ficção mora logo ao lado. Basta descer uns metros. Atendeu. E aceitou o convite. Não precisamos de falar. Chega perfeitamente estar ao lado e nada dizer. Olhar. Quem sabe olhar, a si se vê. Seja no espelho ou nos gratuitos sorrisos que a noite traz. 3 ponchas e 3 uísques. Até chegar alguém e a carne se fazer palavras. Mas não queria ouvir. Apenas ver. Tudo o que ouvia era uma canção. Que toca agora, que toca amanhã e depois. Afinal, nada (mais) há do que a tristeza, tristeza que convém à minha imensa tristeza. Mais duma vez me pediu lume; mais duma vez me sorriu, mais duma vez a minha boca não se abriu. O gesto foi perfeito. O isqueiro levado à altura da boca, pra que os olhos não se baixem, pra que os olhos possam ver os outros que os vêm. Mecânico. Como se nada fosse ou contasse. A música. O músico. Os olás e os adeus(es). A cabeça far and away. O carro velho. A pizza e o vinho (alentejano). O último cigarro. A certeza de que quase todos já esqueceram o que é amar. E por isso, tão-poucos amam ainda. Como deve ser: com o coração nos olhos e na boca. E feliz de quem o tiver onde digo. Porque eu sei onde está o meu e onde quero que fique!
EMANUEL BENTO
PS: Acreditem que estou sóbrio!
(Há canções que nos perseguem. E nunca nos livramos delas. Agora ouço uma. Canta-a a capital do Tibete. Lhasa. Uma peruana que nem pertence ao SENDERO LUMINOSO. "MY NAME". Tenho-a ouvido loucamente. Já a sei de cor. A letra. Que é só letra. Os sons são chuva. O que piora tudo. Ninguém se esquece do som da chuva. Todos sonhamos com amor em dias de chuvas e quem o negar está a mentir. O Amor é líquido. Umas gotas de água no cabelo, uns lábios levemente molhados, as mãos alagadas na secura do corpo. E estamos perdidos de sonho. De amor).
(Já tive outras canções. É verdade. Com o tempo aprendemos a dominá-las. Cicatrizamos. A carne recupera, a alma procura a salvação em outros ritmos. Mas uma outra palavra viaja sempre com ela. Perdição.
Num tempo e nem era por amor. Era só mesmo dor. Dor elevada ao seu máximo. Dor que saia de mim e que voltava ainda mais forte do que havia saído. Num tempo ouvia Pinkk Floyd; Scorpions, Led Zeppelin e Madredeus.
Era um tempo de sombras e de terríveis prenúncios. Um tempo de incertezas. De espera. Um tempo que trazia a morte num número. Um tempo de clausura. Indefinida. Poderia ressuscitar ou não. E a música e as palavras faziam chorar. Ninguém via as lágrimas. Nunca as deixo que as vejam. Guardo-as nos óculos escuros. A roupa também era escura. As pessoas não falavam. E eu sonhava. Que nem elas nem eu existia. Sonhava ao som das músicas que ouvia. Debaixo da terra. Entre jornais que se abrem e se esquecem; entre olhares que não se olham, entre palavras que morrem na boca. Eu sonhava e a minha cabeça dançava)...
Não sei se ele existe. Sei que vive nesta rua onde me escondo. Fiz-lhe uma casa e uma família. Dei-lhe um pai e uma mãe. Irmãos e irmãs. Mas não lhes criei o direito á felicidade. Só deixei desgraças naquela casa. Um irmão paraplégico. Uma irmã enganada por uma sobrinha a viver debaixo do mesmo tecto. Outra sobrinha. Desaparecida. Longe da família. Dei-lhes nomes a todos. Até aos cães. E são tantos, pra que ladrem noite fora a importunar o silêncio. Uma avó. Uma igreja protestante ao lado. Desejos proibidos com Deus a assistir. Pássaros presos. Olhos a voar. Carne e ossos a sofrer. Árvores exóticas a alegrar alguns dias. Uma colecção de revistas pornográficas. Tânias. Ginas. Cláudias. Um homem sem saber o que é uma mulher anos a fio. Tudo isto e mais fiz àquela casa. Uma casa a poucos metros da minha. Todos incrivelmente disfuncionais. Ao pé deles os SIMPSONS são anjos na Terra. E talvez por tudo isto tenha sabido tão bem ter ouvido esta frase: Emanuel, uma mulher assim é o euromilhões do euromilhões...
Fomos tomar um café. Até fiquei espantado que atendesse. Raramente o vejo. Passo meses sem saber dele. E contudo a ficção mora logo ao lado. Basta descer uns metros. Atendeu. E aceitou o convite. Não precisamos de falar. Chega perfeitamente estar ao lado e nada dizer. Olhar. Quem sabe olhar, a si se vê. Seja no espelho ou nos gratuitos sorrisos que a noite traz. 3 ponchas e 3 uísques. Até chegar alguém e a carne se fazer palavras. Mas não queria ouvir. Apenas ver. Tudo o que ouvia era uma canção. Que toca agora, que toca amanhã e depois. Afinal, nada (mais) há do que a tristeza, tristeza que convém à minha imensa tristeza. Mais duma vez me pediu lume; mais duma vez me sorriu, mais duma vez a minha boca não se abriu. O gesto foi perfeito. O isqueiro levado à altura da boca, pra que os olhos não se baixem, pra que os olhos possam ver os outros que os vêm. Mecânico. Como se nada fosse ou contasse. A música. O músico. Os olás e os adeus(es). A cabeça far and away. O carro velho. A pizza e o vinho (alentejano). O último cigarro. A certeza de que quase todos já esqueceram o que é amar. E por isso, tão-poucos amam ainda. Como deve ser: com o coração nos olhos e na boca. E feliz de quem o tiver onde digo. Porque eu sei onde está o meu e onde quero que fique!
EMANUEL BENTO
PS: Acreditem que estou sóbrio!
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